Mas, se o objecto é apresentado como um produto da arte e enquanto tal, então deve ser definido belo, assim como a arte pressupõe sempre um fim na causa (e na causalidade dela), em primeiro lugar deve ser posto como fundamento um conceito daquilo que a coisa deve ser; e assim como a concordância do múltiplo numa coisa por uma sua determinação interna como fim é a perfeição da coisa, na avaliação da beleza da arte deverá ter-se em conta ao mesmo tempo a perfeição da coisa, sobre a qual, pelo contrário, de modo nenhum se questiona na avaliação de uma beleza natural (enquanto tal).
- É verdade que na avaliação dos objectos vivos da natureza, por exemplo do homem ou de um cavalo, se torna ordinariamente em consideração a finalidade objectiva, para julgar da sua beleza; mas, então, o juízo já não é estético puro, isto é, mero juízo de gosto.
A natureza nunca é avaliada pelo facto de parecer arte, mas enquanto é efectivamente arte (embora sobre-humana); e o juízo teleológico serve ao esteta de fundamento e condição de que ele deve ter em conta. Com efeito, nesse caso, não se pensa, de facto, por exemplo, ao dizer: «Eis uma bela mulher», a não ser nisto:
a natureza representa de modo belo, na sua figura, os fins da compleição feminina;
na verdade, é preciso que se veja para além da mera forma, se vise um conceito, para assim se poder pensar o objecto mediante um juízo estético logicamente condicionado.
A arte bela mostra a sua excelência precisamente no facto de ela descrever de modo belo coisas que na natureza seriam feias ou desagradáveis.
As fúrias, as doenças, as devastações das guerras, etc., podem, enquanto coisas prejudiciais, ser descritas e até representadas pintando-as de maneira muito bela; mas uma espécie de fealdade não pode ser representada de modo conforme com a natureza sem destruir todo o comprazimento estético e, portanto, a Beleza artística, isto é, a que provoca desgosto.
De facto, nesta sensação singular que se fundamenta só na imaginação, o objecto é representado como se se impusesse à fruição, enquanto, pelo contrário, o repelimos violentamente; assim, a representação artística do objecto já não é distinta, na nossa sensação, da natureza do próprio objecto e, por isso, é impossível que seja considerada bela.
Immanuel Kant - Crítica da capacidade de juízo
in História da Beleza, de Umberto Eco