dezembro 12, 2008

S. Jerónimo viajou para a Holanda e o Titus sentado à secretária chega a Portugal

Quatro anos depois de ter estado exposta em Viena, mais propriamente na Galeria Albertina, a obra S. Jerónimo, do pintor alemão Albrecht Dürer (Nuremberga, 1471-1528), voltou a ser retirada do primeiro piso do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa. Desta vez, o destino da pintura, um óleo sobre madeira de carvalho datado de 1521, foi o Museu Boijmans van Beuningen, em Roterdão, que solicitou ao MNAA o quadro de Dürer para o integrar na exposição Imagens de Erasmus.

Em contrapartida, o museu nacional propôs uma permuta e pediu “uma boa peça da colecção” pertencente à instituição holandesa, contou ao PÚBLICO o director do MNAA, Paulo Henriques. A resposta agradou sobremaneira à direcção do museu lisboeta: o Boijmans van Beuningen expedia para Lisboa o Titus sentado à secretária (1655), de Rembrandt (1606-1669), uma das obras-primas do pintor, nunca exposta em Portugal. Atendendo à elevada importância de S. Jerónimo - é a única pintura de Dürer no país (a Fundação Gulbenkian possui alguns desenhos), está classificada como tesouro nacional e o MNAA aponta-a como uma das “dez obras de referência” do museu -, Paulo Henriques pediu ainda desenhos e gravuras de Rembrandt, o que permitiu organizar a exposição que se inaugura no dia 16, numa das salas do MNAA. O quadro Titus sentado à secretária (retrato a óleo do filho do pintor) estará acompanhado por mais oito obras: desenhos de Saskia (mulher de Rembrandt), de Titus e da mãe do pintor; e ainda duas gravuras (uma anunciação do nascimento de Jesus e uma adoração dos pastores). Esta exposição com trabalhos de Rembrandt, inédita na história do MNAA, ficará até 8 de Fevereiro, data em que encerra também Imagens de Erasmus, em Roterdão. Refira-se ainda que somente a Fundação Gulbenkian possui, na sua colecção, duas obras do pintor holandês. O Museu de Arte Antiga tem, segundo o seu director, uma gravura e desenhos cuja atribuição a Rembrandt não está confirmada.






Dürer pintou S. Jerónimo em Antuérpia, em Março de 1521. Escreveu então no seu diário: "Pintei cuidadosamente S. Jerónimo e ofereci-o a Rui de Portugal." O painel - único quadro religioso que pintou - foi exibido na capela privada do diplomata de Antuérpia e mais tarde trazido para Portugal.

A figura do santo é baseado num desenho de um velho homem barbudo. No desenho, inscreveu Dürer: "O homem tinha 93 anos e era ainda saudável e forte." O crânio na pintura que Dürer também tinha esboçado separadamente (Graphische Sammlung Albertina, Viena), provavelmente era provavelmente o "pequeno crânio" que tinha adquirido anteriormente em Colónia.

Nesta obra, S. Jerónimo exibe as características enrugadas do velho de 93 anos e repousa a mão direita na cabeça em pose comtemplativa. Com o dedo da mão esquerda, toca suavemente o crâneo, símbolo da perenidade da vida. O crânio é simbolicamente colocado entre a Bíblia aberta e o tinteiro, numa alusão ao tradutor do Livro Sagrado.  O velho S. Jerónimo olha angustiadamente para fora do quadro.





Filho de Rembrandt e Saskia Uylenburgh, Titus nasceu em 1641. Após a morte prematura de sua mãe, Titus foi entregue aos cuidados de Geertge Dircx e mais tarde de Hendrickje Stoffels que, após a falência de Rembrandt, criou com Titus um negócio de arte de modo a liquidar as dívidas do pai, de quem recebeu formação artística. Morreu em 1668, um ano antes da morte de Rembrandt. 

A figura de Titus aparece em várias pinturas de Rembrandt: quer como monge, quer vestindo um traje elegante com boina ecorrente de ouro.

Nesta obra, é visto como aluno sentado à escrivaninha, divagando sobre o seu trabalho. Com a mão direita, segura a caneta de pena com que escreve e, com a esquerda, o porta-canetas e o tinteiro. Os braços e os documentos são fruto de pinceladas únicas e na escrivaninha vemos as marcas da espátula de Rembrandt.


A saída temporária do S. Jerónimo foi sujeita à autorização prévia do Ministério da Cultura, tal como a lei estabelece na expedição de bens nacionais. Mas o seu estatuto de "peça central" do MNAA exigiu "muita ponderação", notou Henriques. "A ponderação do empréstimo foi muito bem feita e teve em conta a altíssima qualidade da exposição do Boijmans van Beuningen", disse, apontando ainda que o óleo se encontra em "excelentes condições". "Não tem quaisquer problemas de conservação", assegurou. A estas circunstâncias favoráveis acresceu o "grande empenho" da embaixada dos Países Baixos em Lisboa, que permitiu que a permuta fosse concretizada "sem encargos financeiros" para o MNAA.
O empréstimo do quadro (foi oferecido por Dürer, ainda em 1521, ao diplomata português em Antuérpia Rui Fernandes de Almada, tendo sido comprado pelo Estado em 1880) não é inédito. Mas a sua saída temporária já foi proibida, há três anos. Em 2004 esteve patente numa mostra dedicada a Dürer em Viena, na Galeria Albertina, juntamente com os quatro desenhos preparatórios de S. Jerónimo. Contudo, um ano depois, quando o Museu do Prado, em Madrid, organizou uma exposição dedicada ao artista, inédita na Península Ibérica (57 desenhos e 29 gravuras) e solicitou ao MNAA o quadro, o Estado recusou o empréstimo. "Não passou por mim", disse Henriques, referindo que, na altura, era Dalila Rodrigues quem dirigia o museu.



fonte: Público